sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Imitação do aroma sublime

Fez-se então a palavra, o dito dos surdos, o universo por si só, o duro encontro das almas.

Eu sou eu e apenas quero ser, mas como existir nesse emaranhado de secretas existências?

Bebo o líquido que escorre por mim, mas não me misturo a ele, ele entra e sai, intacto, então me alimento de ar, mas ele existe porque me dizem que existe, e eu desisto simplesmente porque preferiria ser a plena existência do universo vazio, mudo, insólito e de gosto desgosto. Ai então me sentiria concreta dentro da inesgotável falta de ar. É duro dizer o que digo, mas se digo é porque preciso, mesmo que nada seja preciso, nem precise ser ouvido, mas apenas sentido ainda que não faça sentido, sem ti, sendo, sem ter tido.

Vivo em prol do gozo, capto esse momento para que seja pleno, irrefutável, leve e preciso, pois preciso ser marcada, arrebatada, domada… espancada para ser amada. Sinto amor, mas só à dor meu corpo reage, me doo, só sinto que amo porque sangro, porque meu ego murcha como a flor que se abre na vala para apodrecer, suscetível para ser sugada por insetos que obedecem ao comando ilógico da vida que pra ser vivida não pode ser compreendida, pois deixaria de ser encantadora e seria apenas um projeto maquinal, dogmático, sistemático, fosco… seria previsível, regular, seria livre do pecado, do erro, do imprevisto…livre da dor, não teria o amargo prazer da exposição da carne trêmula que reage desmotivada pela busca insana da sobrevivência, a luta, a fuga, o quer que seja, o escape eterno dos urubus intrépidos.

Sinto que amo apenas quando me sinto amada, é amor de gratidão, devo ser então incapaz de amar em vão. Se me adoras, sorrio, mas te desdenho, porque mesmo sem me conhecer compreendo que nada valho senão para unir seus pedacos, preencher seu vazio, regar seu jardim desfolhado…você finge que está descalço e que sou o único calçado a te servir, serei então sua serva, pois também preciso de ti para me unir… e vou crendo, de joelhos, em preces e soluços eu peço para que nada mais exista após o gozo, pois é a dor concreta, é rigidez catatônica, mas também é dor subjetiva, é o amor exalando todo o mal, me torno deus em pele de capiroto, e de palavras doces escondo a fraqueza, sem franqueza, sem destreza para capturar um pequeno instante, me fazendo de tolo, esforço-me para crer que esse instante pode ser eterno, pois é terno seu olhar, sua entrega, tão leal quanto a minha indiferença. Como todas as pessoas do mundo, no fundo, também não sei como cheguei aqui, mas a partir do aqui, sou capaz de alcançar o pós, vôo, o logo ali… nada de sobrenatural, é intuição ancestral que aprimorei, então percebo que toda a convicção se perde pelo caminho, e dentre tantos atalhos por quais decidimos fugir, me perco sem luz do subterrâneo da vida, e assim como nasci, morro sozinha, eu e minha humilde dor, meu gozo finito, você escapou como raposa que corre atrás de nova presa, e eu, que entreguei, de carne trêmula exposta agora às moscas, ainda resgato forças, o caminho é ameno, sei que posso contar comigo, e com a suprema mãe criação, faço parte do instante, tenho o livre arbítrio de decidir agora meu destino, olhos atentos para o grande universo, este me oferece diversos caminhos, belos-sujos-entrelaçados-misteriosos-mais-que-óbvil-puro-mais-que-confuso, confuso fico, parado no meio do nada, à beira do precipício, são tantos e únicos, um tiro no escuro, parado fico a olhar, sem lembrar que minha bengala era você, decido então correr, mas minhas pernas trêmulas tiveram a força por ti sugada e então tropeço e caio, de cara do chão, como terra, me uno ao uno do universo, me alimento da existência sincera que pulsa sem propósito, e percebo que não importa se caminho ou se a gravidade me derruba, o que tenho dentro de mim não muda, só transmuta, sou medíocre, sou rei, sou bondade e nunca errei porque o erro não existe, só existe o medo do que me é conhecido, inventado e fictício.



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