domingo, 26 de setembro de 2010

Sem pé com cabeça

Revirado pelas tentativas de olhar por outro prisma, mais de mil promessas dessas que ninguém acredita, enganando o diabo, a sorte, a morte, mas não a vida.
Aliviado pelo suborno ao padre, nem se despede do abade, ganha a rua e trama uma nova falcatrua.
Bicho de pé, deitado sobre o monumento de Don Juan, ladra ladra sem ter porque, gasta mais do que pode ter, pede mais do que tem para oferecer, rouba pela medíocre razão de enriquecer.
Inventaram-te em qualquer esquina, usurparam tua nobre menção em reverenciar a quem te deu o pão.
Grite bem alto suas inverdades com sinceridade, tua cicatriz é mais digna que teu sorriso, desenrola logo teus intentos postiços!
Nada além de ti interessa, por isso tenho tanta pressa, confessa teus medos mascarados em ofertas, bata na boca três vezes e me peça perdão, cantarola baixinho apenas esta canção:
“Canto do canto do olho, lágrima se desfaz num movimento sereno
amargura que sente por dentro
se desfaz num movimento sereno
batuca sem medo o tambor do desejo
que se faz num formigamento sereno
sente teu peito teus membros
vibrando num só movimento...”

Cadim de coisa nenhuma

Tamborilam os dedos inquietos através do prenúncio secreto contido nas flores flamejantes do deserto.
Hoje parou no tempo, amanhã não chegará ao exato momento, resta de um ontem tomar conhecimento em seu contento.
Ai de mim que sou assim.
Zombeteira do agreste.
Tal modéstia gira em torno do incauto, do furor, do abjurado, me entendam, por favor, a mordaça me calou, o espírito desencarnou, a pobreza me assolou.
Quanto mais explícita me torno, mais de mim correm os devotos, então me comporto bem dentro do espartilho, salto alto, na mente apenas mais um desafio.
Aquieto os pensamentos, conselheiros sábios que um dia estiveram presentes nesse solo ardente, atualmente me espiam solenemente, dedicam todo o tempo ao meu presente.
E quem pressente?

O silêncio divino te leva direto ao teu destino.
As palavras não ditas te libertam das armadilhas.
Em apenas um olhar, toda a sabedoria.
Em meio à tempestade de letras busco um significado para essa vontade danada da peste de arrancar os sapatos e correr contra o vento, escutar sussurros de bicho e de gente, pilotar uma estrela cadente, contar histórias cabeludas de seres decentes, embalar no colo esse universo inquestionável desestruturado por facínoras desequilibrados, me encantar com o dom inato de presenciar dia após dia que uma nova vida se anuncia.
Ai de mim que sou assim.

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