sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Delirium

Ouço esse zumbido estalando o osso do pé do ouvido, num movimento ameno, flutuo em delicadas convulsões, sinto um alívio, percebo que saí do ritmo, procuro-me em teu abrigo… sou meu filho, cria de mim, bicho do lixo… não sofro, cuspo o caroço, não corro, vi que sou oco, se cuspo em ti cai no meu olho, mas pode deixar que se não teme eu me perdoo.
Falo sem querer ser ouvido, ouço sem querer ser punido, caio no chão e não vejo mais sua mão, nado na essência do pó tirado do armário, me tranco e me calo, sou inocente mas fui pego de assalto, braços ao alto, parado expiando o pecado, esse bem que me foi dado, como um agrado desnecessário.
Se sorrio quero gritar, se grito todos vêm me calar, se brinco quero matar, se mato é pra me inocentar.
Esse carrossel me confunde, vejo cores fúnebres, borboletas me visitam, voam em meu abismo, fazem cócegas, me beliscam.
Cavo de baixo pra cima, subo no topo, puro gozo, bebo da fonte, ainda estou longe…não tenho formas, nada delimita minha história, estou dentro e fora, só sei que é agora, preciso rever meus conceitos, mas se nunca os tive, como os respeito?
Me alimento pela compulsão, respiro em vão, não tenho pulmão, me aqueço nessa solidão, dentre muitos de mim, quem é o dono da razão?
Apaixono-me a cada instante, sou puro, sou homem, sou mudo e se mudo me consomem.
Acendo mais um, no paladar sinto o cheiro dessa luz fosca, esquento a cuca, adormeço… chego ao céu, mas sei que não mereço.
Alguém diz acorde agora, bata forte contra a porta, viaje o mundo, dê o fora…mergulhe profundo e não afunde, escape do anzol, eu sou a isca, se morder a culpa é sua, te avisei que sou arisca.
Procurando a solução, querendo estar são, bebo mais um copo pra ganhar disposição, isso não é dormência são formigas rumo à violência, contra o tempo, condução a favor do ataque, marcando o compasso de um tum de um atabaque, sou mais um, não tenho noção, sou fugitivo da minha própria ilusão.
Minha dádiva, meu recanto, posso ser deus, mas nunca fui santo, posso me esconder de fantasmas que nunca irão me perseguir, posso me tocar sem ninguém me punir, mesmo sedado, em meio a turvação, permaneço ensimesmado por manter a opinião, sou triste sou feliz, o que não muda é a indiferença, me emboto nesses botões, sou alvo da auto-depreciação, a convicção da rejeição é a referência da minha acusação.
Quanto à fuga de ideias, crio neologismos pra não parecer prolixo, fujo do meio porque da margem vejo a tensão, eu sou eu e mais que isso, sou perfeito, do meu jeito, falido sem tesão.
E então tudo fica escuro, estou em paz, estou com frio, ouço a dor que atravessa meu umbigo, num grito engolido sucumbo em grande estilo, viro luz, emano calor, me encontro, não desejo ser o que vejo, num impulso quebro o espelho, inspiro forte um ar rarefeito e vejo o pulso vermelho, líquido que escorre da veia, composto de um gosto viscoso, que retrata a mim comigo mesmo, sou meu espelho, não tenho nenhum tipo de alucinação, deliro no que sou, me vejo me ouço me beijo, me possuo de corpo inteiro, quem precisa de razão quando se tem em mente a vontade de saber a verdadeira explicação?
Vejo que o mundo precisa de contraponto, meu papel… desempenho mais e mais, não sou dono do roteiro, danço pra não ficar pra trás, encarno o personagem, sou protagonista de toda maldade, a cena de muita atrocidade, sou auto-suficiente, não queira passar na minha frente, curvo meu corpo com orgulho de indigente, mas às vezes tropeço no tridente, e retorno a essa incoerência entorpecente.

Um comentário:

Unknown disse...

Aqui desfaço qualquer previsão... logo me desfiz da atenção, pois senti que este poema seria puro escorrego.
Gostei.
Beijo


Espectadores