sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Forjado

E foi assim sem mais querer que me fizeram saber, sob chuva de outono, clima aquecido por álcool, minha mãe reconta um dos dias inesquecíveis de nossas vidas, o qual nunca me lembrarei. Diz ela que fui gentil ao tomar o mundo, permiti que lavasse roupas, pintasse as unhas e até se depilasse… esperei o mundo se aprontar e que me mostrasse a trilha da vida. Dei o sinal, como no teatro, esperei que todos se acomodassem, esperei o ano romper e me adiantei pro carnaval estourar, nasci em meio aos festejos, me comportei para que pudessem comemorar. Escorreguei como num tobogã orgânico, em sintonia ao corpo de minha progenitora, sem dor, sem esforço, sem cortes, chorei no ar para não apanhar. Tinha o peso que comportasse toda a perfeição, vitalidade que pulsava em suas mãos, olhava o mundo com objetividade procurando sugá-la sem maldade. Confessando ainda que não fui planejada, talvez por isso me comportei para ser amada, no prazer de cada mamada, inocentemente roubava seu calor. E quem disse que eu quis nascer se engana, apenas obedeci à natureza que chama, inevitável e simples, sou mais um entre tantos, fiz história registrada apenas em minha memória, guiada por falsos diretores, acreditei sem questionar, bati sem odiar, trabalhei sem ganhar. Foi-me fornecido o ilimitável, mas como não me informaram, consenti em imitar o já criado, o projeto me era inefável, não imaginei que o céu era o limite, então passei o tempo preocupada em não pisar na cabeça de sombras, mesmo que fossem medonhas. Decidi não correr perigo, apenas inalar fumaça e sorrir pro desconhecido… deixei que a vida me tornasse o que eu sou, pois se minha morte espreita a cada instante, não há razão pra pensar no restante. Planejei não ter planos, obedeci ao ritmo, segui a canção, chorei de rir e ri para não chorar, mas agora sou só prantos. Assim como meu nascimento, até aqui tudo foi morno. Não desafiei o mundo, e por isso não posso requerer o que me foi imposto. Como fui tosco, me aguardem quando eu nascer de novo, farei revolução terei todos em minha mão, vou nascer fazendo sangrar, vomitando em luvas brancas, mastigando mamilos, chorando de cólica noites a fio. Serei o rei do jardim, plantarei cactos e todos se curvarão a mim. Farei com que rezem para o deus que eu criar, se revoltarem-se terão que ajoelhar em meu altar. Produzirei festa de incestos, quero gozar do horror em manifesto, serei intenso, tenso, amarei em meu consenso.

...


Voltando à mesmice de minhas horas, resolvi ultrapassar minha história, deitei no divã e regredi, vi minha vida tal como escrevi. Hoje sou nada porque já fui tudo, quem sabe da próxima vez eu tenha brio e venha com mais equilíbrio.


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